Júlio César de Mello e Souza
Mago dos números
Desde a infância, ele condenou os métodos de ensino ultrapassados a que são submetidos nossos alunos. Criou o personagem Malba Tahan, que fez gerações mergulharem em desafios matemáticos e na cultura árabe. Vendeu milhões de livros, traduzidos nos quatro cantos do mundo. Gênio da educação, mostrou que a Matemática pode – e deve – ser divertida.
Não sei como o Julinho vai se sair no exame: escreve mal e é uma negação em Matemática. O irmão mais velho, João, manifestava preocupação em carta ao pai. Júlio tinha 10 anos e tentava ingressar no Colégio Militar, em 1906. Conseguiu. Três anos depois, transferiu-se para o Colégio Pedro II. Mas, como o irmão temia, não era exatamente o melhor aluno de Matemática. Em uma prova de Álgebra, tirou dois; em outra, de Aritmética, cinco.
Filho de professores, Júlio César de Mello e Souza nasceu no Rio a 6 de maio de 1895, mas passou a maior parte da infância em Queluz, interior paulista.
Esperto, encontrou uma forma de complementar a mesada que recebia do pai: venda de redações na escola. Em uma delas, o tema proposto pelo professor era esperança. “Na nossa turma havia uns sete ou oito que eram marginais da cola, vadios da pior marca. Pela manhã, depois do café, vendi quatro Esperanças a 400 réis cada uma! Como mercador de esperanças o meu êxito, naquele dia, foi espantoso”, escreveu.
Já na infância se opunha aos métodos de ensino de Matemática que propunham exercícios como este: “Dona Rosinha comprou 5 milésimos de tonelada de manteiga a 6 cruzeiros cada hectograma. Quanto gastou?”. “Só um paranóico pediria manteiga assim”, ironizou, já adulto.
Erre
Não, Júlio não escrevia mal, muito menos era uma negação em Matemática. Assim como seus oito irmãos, seguiu a carreira dos pais. Formou-se no curso de professor primário na Escola Normal do antigo Distrito Federal e em Engenharia Civil pela Escola Politécnica, em 1913. Seu primeiro emprego foi de servente e auxiliar na Biblioteca Nacional. Aos 17 anos, começou a dar aulas no externato do Colégio Pedro II. Ainda adolescente, criou a revista Erre, em que defendia o erro como forma de aprendizado, antecipando conceitos pedagógicos modernos. Formado em arte dramática, dava aulas performáticas. “O professor de Matemática em geral é um sádico. Ele sente prazer em complicar tudo”, atacou. Antes de partir definitivamente para a Matemática, ensinou Física, Geografia e História. Foi um dos primeiros a adotar a interdisciplinaridade, promover atividades lúdicas e defender o uso de máquinas calculadoras em sala de aula. Nunca dava nota zero. “Por que dar zeros se há tantos números? Dar zero é uma tolice.”
Em 1919, tentou publicar seus contos sobre Matemática no jornal O Imparcial. Entregou cinco, que foram solenemente ignorados pelo editor. Tomou-os de volta e os reenviou, desta vez assinados por R. S. Slade, suposto escritor que era sensação em Nova York. No dia seguinte, o primeiro texto, A Vingança do Judeu, foi para a primeira página do jornal, assim como os outros quatro, nas edições seguintes.
O calculista das Arábias
Júlio estudava desde 1918 a cultura árabe; leu o Alcorão e o Talmude. Com a experiência bem-sucedida do primeiro pseudônimo, criou um segundo. Surgia Ali Iezid Izz-Edim Ibn Salim Hank Malba Tahan, viajante nascido em 1895 na aldeia de Musalith, Pérsia. Teria morrido em 1921, lutando pela liberdade de um povoado da Arábia Central. Os textos eram traduzidos por Breno de Alencar Bianco, outra invenção de Júlio. As histórias do misterioso árabe, com instigantes desafios matemáticos, começaram a ser publicadas no jornal A Noite a partir de 1925. A identidade verdadeira só foi revelada em 1933. Júlio – que nunca esteve no Oriente – chegou a incorporar o personagem publicamente, trajando vestes árabes típicas. Acrescentou o nome Malba Tahan à carteira de identidade, com autorização do então presidente Getúlio Vargas. Publicou 69 livros de contos e 51 de Matemática. O mais famoso deles, O Homem que Calculava (1932), protagonizado pelo calculista Beremiz Samir, vendeu cerca de dois milhões de exemplares no Brasil e já foi traduzido para mais de 12 idiomas.
Solidário com as vítimas da hanseníase, Júlio fundou e editou por 10 anos a Damião, revista sobre a doença. Apresentou programas de rádio e tevê, além de ter suas obras adaptadas para o teatro. Estava em Recife para uma das mais de duas mil palestras que deu quando teve um ataque cardíaco e morreu, em 18 de junho de 1974. Hoje dá nome a escolas, bibliotecas e instituições Brasil afora, além de ser homenageado todos os meses neste Almanaque, na seção O Calculista das Arábias (ver página 16). Seu aniversário, 6 de maio, virou Dia Nacional da Matemática. Citando Silêncio de um Minuto, de Noel Rosa, deixou instruções para que, em seu enterro, ninguém entrasse em luto: Roupa preta é vaidade / para quem se veste a rigor / O meu luto é saudade / e a saudade não tem cor.
SAIBA MAIS
O Homem que Calculava, de Malba Tahan (Record, 2008).
Instituto Malba Tahan: www.malbatahan.com.br